quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Direito - Sucessões - Formal de Partilha - Acesso ao fólio real

Texto: Fátima Tardelli

É o presente um limitado e despretensioso estudo sobre o assunto. Não tendo sua autora objetivado o esgotamento da questão, agradece qualquer comentário que vise a contribuir com o artigo.

1) O formal de partilha é um título judicial, extraído dos autos de arrolamentos ou inventários. Assim como uma carta de sentença, é ele composto por cópias reprográficas das principais peças e documentos constantes nos autos. Costumeiramente, as peças que o compõem são:

"a) Capa do processo;
b) Petição Inicial que requer a abertura do arrolamento/inventário;
c) Primeiras Declarações (elaboradas de acordo com o artigo 993 do CPC);
d) Plano de Partilha ou Auto de Adjudicação (conforme artigo 1025 do mesmo codex);
e) Certidões e documentos pessoais dos interessados (cônjuge supérstite, herdeiros e cônjuges dos herdeiros);
f) Cópia do(s) lançamento(s) fiscal (IPTU ou INCRA);
g) Documentos aquisitivos do imóvel (Compromisso de compra e venda ou escritura);
h) Registro do imóvel (matrícula ou transcrição extraída do CRI);
i) Decisão judicial que nomeou o inventariante;
j) Termo de compromisso do inventariante;
k) Aditamentos às declarações ou partilha (se houver);
l) Certidões negativas de tributos federais e municipais;
m) Informações dos setores do Contador Judicial e Partidor Judicial;
n) Comprovantes dos recolhimentos dos impostos “causa-mortis” e/ou “inter-vivos” (quer seja este último de natureza estadual ou municipal), e manifestação do órgão arrecadador (Fazenda Pública);

o) R.sentença Homologatória da partilha ou Auto de Adjudicação
p) Certidão de trânsito em julgado da referida sentença".

Referido título, composto de uma r.sentença declarativa, atribui aos interessados na sucessão, os direitos/patrimônios que foram deixados pelo sucedido.

2) Patrimônio

O Patrimônio deixado pelo decesso de uma pessoa pode ser composto por diversos tipos de bens, o tipo que por ora nos interessa são os bens imóveis, posto que será necessário o registro, nos cartórios competentes, de referido formal.

3) O Registro Público e o Formal de Partilha

O registro público é regulamentado pela Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que possui princípios próprios que têm de ser observados.

Assim, ao ser levado ao registro, o formal de partilha é conferido e analisado pelos serventuários daqueles cartórios, conferência esta que verifica a adequação do título à lei supra especificada.

A jurisprudência têm proclamado que a natureza judicial do título não torna o formal de partilha imune aos princípios inerentes ao Registro Público, in verbis:

“.....Não é demais o fato de lembrar que o fato de se tratar de título judicial, por si só, não o torna imune à necessária qualificação registraria, na esteira dos precedentes do conselho....” - Apelação Cível 99.390-0/8, Comarca de Sumaré, apelante José Heliton Costa, Relator Desembargador LUIZ TÂMBARA, j.27.02.2003, DOE 11.04.2003.

“...A recusa do registro fundou-se na violação ao princípio da continuidade...” - Apelação Cível 98.978-0/4, Comarca de Praia Grande, apelante Banco Société Génerale Brasil S/A, relator LUIZ TÂMBARA, j.27.02.2003, DOE 11.04.2003

Assim, ao registrador, não basta que as peças de declarações e o plano de partilha sigam as regras contidas nos artigos 993 e 1025 do CPC, necessário também que tais peças estejam adequadas às exigências inerentes à lei 6.015/73

3.1) As peças de Declarações.

O artigo 993 do CPC especifica quais as informações que devem constar na peça de declarações, conforme segue:

"Dentro de 20 (vinte) dias, contados da data em que prestou o compromisso, fará o inventariante as primeiras declarações, das quais se lavrará termo circunstanciado. No termo, assinado pelo juiz, escrivão e inventariante, serão exarados:

I - o nome, estado, idade e domicílio do autor da herança, dia e lugar em que faleceu e bem ainda se deixou testamento;

II - o nome, estado, idade e residência dos herdeiros e, havendo cônjuge supérstite, o regime de bens do casamento;

III - a qualidade dos herdeiros e o grau de seu parentesco com o inventariado;

IV - a relação completa e individuada de todos os bens do espólio e dos alheios que nele forem encontrados, descrevendo-se:

a) os imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que se encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias, origem dos títulos, números das transcrições aquisitivas e ônus que os gravam;
...
. "

Abstivemo-nos de transcrever o texto completo em virtude do fato de que apenas os itens supra encontram relevância na presente abordagem.

Por óbvio que quando da confecção da peça de declarações, deve o causídico também observar as regras atinentes à vocação hereditária (artigos 1603 e ss do CC/1916 ou 1790, 1829 e ss do CC/2002).

Ao observar as regras supra, a partilha (vinculada às declarações) teria de ser homologada, posto que observadas as regras atinentes à sua formalização.

Ocorre que somente a observância das regras acima não tornaria o título extraído (formal de partilha) exeqüível.

3.2) As regras do 993 do CPC e da Lei 6.015/73

Passamos a especificar os motivos pelos quais a simples observância do artigo 993 do CPC não ter o condão de tornar o título judicial exeqüível, para fins de acesso ao fólio real.

a) Qualificação do sucedido (autor da herança)

No inciso I (art. 993 CPC) há indicação dos dados que têm de constar na qualificação do sucedido:

- o nome, estado, idade e domicílio do autor da herança, dia e lugar em que faleceu e bem ainda se deixou testamento;

Ocorre que a alínea "a" do item 4 do inciso II do artigo 176 da Lei 6.015/73 (requisitos para abertura de matrícula e averbação dos atos relacionados no artigo 167 - incluindo-se, aí, o registro de r.sentenças proferidas em inventários, conforme item 24 do artigo 167) inclui como dado obrigatório:

"o nome, o domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;
..."

Assim, fácil observar que uma peça de declarações pode ser apta a ser homologada (por terem sidos observados as regras do 993 do CPC), mas ser inapta a obter o acesso ao registro público, por inobservância das regras a ele atinentes.

b) Qualificação do cônjuge

O artigo 993 do CPC não determina a obrigatoriedade da qualificação do cônjuge supérstite; limita-se a exigir que "..em havendo cônjuge supérstite, o regime de bens do casamento..." (inciso II).

Todavia, na prática forense, é praxe também a qualificação completa do cônjuge sobrevivente, considerando-se que não raro a ele será atribuída meação no patrimônio inventariado.

c) Qualificações dos herdeiros

Referido comando, em seus incisos II e III limita-se a exigir as seguintes informações:

" o nome, estado, idade e residência dos herdeiros..." (inciso II) e "..a qualidade dos herdeiros e o grau de parentesco com o inventariado..." (inciso III).

Todavia, pela mesma regra citada no item "a" do presente, também tais dados seriam insuficientes.

Assim, entendemos que a correta e completa qualificação de determinado herdeiro obrigatoriamente haveriam de serem declaradas as seguintes informações:

- nome,
- parentesco com o sucedido,
- nacionalidade,
- profissão,
- números de Rg e de CPF/MF*,
- estado civil,
- regime de bens adotado, se casado for,
- dados qualificativos do cônjuge**.
- domicílio,

* Relativamente à exigência do número do CPF/MF, observamos que a alínea "a" do item 4 do inciso II do artigo 176 da Lei 6.015/73 exige OU o número do RG OU o número do CPF/MF OU a filiação. Ocorre que o Decreto n.º 3000, de 26 de março de 1999, em seu artigo 33, inciso V estabelece a obrigatoriedade de inscrição no cadastro do Ministério da Fazenda dos participantes de operações imobiliárias, inclusive a constituição de garantia real sobre imóvel.

** Relativamente à exigência da qualificação completa do cônjuge do herdeiro, visa esta a preservação do princípio da continuidade registrária, conforme segue:

“...Trata-se de preservar a continuidade registrária, ou seja, o encadeamento subjetivo dos atos, pelo que, na esteira do art.176, II, 4.a, e III, 2.a, da Lei 6.015/73, editou-se mesmo norma administrativa segundo a qual a matrícula deve ostentar, além da compelta qualificação do proprietário, e, sendo ele casado, também a identificação de seu cônjuge e do regime de bens do casamento (NSCGJ, Cap.XX, item 52)...” – Apelação Cível n.º 09-6/3, da Comarca de Assis, DOE de 17.10.2003, Caderno 1, parte 1, fls. 5

d) Descrições imóveis

O já citado artigo 993 do CPC, exige as seguintes informações sobre os imóveis deixados pelo autor da herança:

- Imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que se encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias, origem dos títulos, números das transcrições aquisitivas e ônus que os gravam;

Observamos que para acesso ao fólio real, a descrição do bem imóvel tem de estar adequada ao constante na matrícula/transcrição, posto que quaisquer modificações (inovações na tábula predial) feririam o princípio da especialidade objetiva:

“A Lei de Registros Públicos, em seu artigo 225 (e também no artigo 176, parágrafo 1º, inciso II, número “3”) exige rígido controle acerca da caracterização do imóvel, não podendo superá-la o argumento de que a riqueza de detalhes introduzida na escritura tornaria impossível confundir-se o imóvel em tela com outro. É exatamente a introdução de novos elementos não constantes do assento que fere regra básica de especialidade” (Apelação Cível n.º 11.595-0/0, da Comarca de Guarulhos, j.18 de setembro de 1990, rel. Des.Onei Dínio de Santis Garcia) – citado no julgamento da Apel.Cível564-6/5, da Comarca da Capital. DOE 18.01.2007.

Não menos necessária é a declaração o número de matrícula que o imóvel possui ou, à míngua de registro individual, o número da matrícula ou da transcrição da área maior à qual faz parte o imóvel, sob pena de infração ao princípio da continuidade:

“...Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa de acesso ao registro de carta de adjudicação relativa a servidão administrativa – Ausência de base geodésica, por falta de transcrição ou matrícula – Ofensa ao princípio da continuidade – Registro inviável – Recurso não provido...” Ap Cível 453-6/9 – Comarca do Esp.Sto do Pinhal. Apelante Sabesp, apelado Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e documentos. J.13.07.2006. DOE 19.09.06 relator Des. Gilberto Passos de Freitas.

“...No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito de tem de constar do registro como titular desse direito, valendo-se para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet. ‘Sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir o imóvel, nem, tampouco, onerá-lo’..” (Tabosa de Almeida, Das Inexatidões Registrais e sua Retificação, Revista do Direito Imobiliário, n.11, p.53) – Apelação Cível n.º 608-6/7, da Comarca de Indaiatuba, em que é apelante José Bernardini e apelado o Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da mesma Comarca. Rel.Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral. J.21.12.2006. DOE, Caderno Poder Judiciário, Parte I, pg.4.

4) Conclusão

O simples cumprimento das regras contidas nos artigos 993 e 1025 do CPC não garante que o título judicial (formal de partilha) será exeqüível, para fins de acesso ao fólio real. Para tal, hão de serem observados também os princípios inerentes à Lei de Registros Públicos.

A formação de um título judicial inexeqüível prejudica os destinatários da tutela jurisdicional (no caso específico, aos interessados na sucessão), que serão obrigados a providenciar a retificação dos títulos para nova tentativa de ingresso na cártula.

Assim, entendemos que o mal tem de ser cortado pela raiz: os títulos têm de ser formados de forma primorosa no nascedouro, o que minimiza os custos do processo judicial e possibilita a correta tutela jurisdicional.

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