segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Saudade e solidão


Durante uma palestra que mantinha com um amigo abordamos o fato de todos os humanos possuírem uma história pessoal, única; que é esquecida após seu decesso.
Terminada a agradável conversa, por muito tempo ainda fiquei pensando no assunto; populavam em minha mente músicas e lembranças e junto delas pensamentos ora melancólicos, ora felizes.
A música que mais me chamou a atenção ao recordar, foi a de Chico Buarque:
"Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus"
A lembrança da letra, quase uma poesia, de tão bela, me enterneceu sobremaneira: fiquei a imaginar as dores narradas, a angústia da perda de um filho, a dor de um membro arrancado, de um amor perdido... Lembrei-me também o quanto somos solitários nesta jornada, nascemos sós e assim morreremos, nossas histórias (belas ou feias, mas sempre únicas) serão apagadas pelo tempo, lembrarão delas apenas uma ou duas gerações de descendentes (isso se tivermos sorte).
Nascemos, crescemos, vivemos, amamos, odiamos; buscamos sempre no cenário externo algo que dê sentido à nossa existência.
Mas mesmo na busca deste sentido, continuamos sós, somos como Narcisos e Dorians; se buscamos o amor de outro, o que desejamos é o ver o nosso reflexo em tais olhos, se buscamos a eternidade, queremo-na sem que para isso tenhamos de pagar o elevado preço que a idade nos cobra.
Nem mesmo a facilidade que encontramos em comunicarmo-nos com outros de nossa espécie nos ajudou a diminuir os abismos que nos separam, pois o que vemos em todo lugar são pessoas usando máscaras (seja por medo da rejeição aos defeitos, seja para não expor a perfidez de nossas almas - lembrando, sempre do Heatcliff - Morro dos Ventos Uivantes), incapazes de enxergar o outro.
Pense: qual foi a última vez que recebestes um e-mail de um conhecido/amigo, que realmente estava interessado em saber como estás? Percebes que a maior parte deles não passam de correntes idiotas (do tipo 'se não repassar para N pessoas, algo terrível irá lhe ocorrer), ou piadas sem-graça (que geralmente já conheces)? Qual foi a última vez que alguém te perguntou como estás?
E tu? Qual foi a última vez que realmente paraste para ouvir o outro, para perguntar como ele está? Para saber de suas alegrias, de suas dores?
Se a saudade dói, a dor maior teríamos de sentir por não havermos realmente querido saber do outro, por não termos nos importado o suficiente, por não termos amado o suficiente.
De que adianta a saudade, se não aproveitamos o tempo, tão efêmero, para realmente viver de forma plena?
Gabriel Garcia Marquez teria dito que quando estivesse num caixão, desejaria ter sido mais do que um boneco de trapo, desejaria ter amado mais, vivido mais.
Se estamos sós, se sentimos saudades do que vivemos e do que não vivemos, não seria isso culpa de nossos inflados egos, que ocupam tanto espaço de forma a não caber nada além de nós mesmos?
Imagem retirada do site:
http://carlossaraiva.com/estudante/welcome.html

5 comentários:

Eunice disse...

adorei, é assim que me sinto , um ser solitário como diz aquela carta do taro ( A solidão no explendor do puro verbo ), e nao raro deparo com pessoas que querem saber de voce nao por estar a fim de te ajudar , e sim para ter um assunto para passar pra frente
mas coisas da vida e assim senso assim será , beijos e parabens escreva mais pois terás uma fã.

Fátima disse...

Eunice:

Macondo (aldeia de vinte casas de barro e taquara) não é um lugar imaginário, é o lugar onde acordamos todos os dias (é aqui!).

E nós não passamos de um sem-número de 'Josés Arcadios Buendias'.

Beijos.

baihanos disse...

O texto e sem duvida nenhuma otimo e atrativo gostei muito parabens

Anônimo disse...

Fátima, gostei muuito do texto, parabéns.

Eu não gosto de MPB, mas já tinha ouvido falar (impossível não ter ouvido falar nisso) que Chico Buarque era um excelente poeta. E tenho que me curvar à beleza de suas palavras; de fato, é uma bela letra. Apenas não gosto do estilo musical... Uma lástima.

Mas, sobre o assunto, é por essas e outras que penso na liberdade individual como algo extremamente necessário. Somos solitários, isso é fato e negá-lo apenas trará grande dor quando nos afastamos dessa ilusão - ou seja, quando, uma hora ou outra, nos percebemos sozinhos. Mas apenas penso que não é porque somos naturalmente solitários que não podemos confraternizar e viver ótimos momentos juntos com outras pessoas.

Opinião de uúltima hora (portanto ainda não examinada com muito cuidado): a solidão é condição, aliás, primordial para aproveitar ainda mais os momentos de união. Mas ou menos no estilo daquele filósofo pré-socrático dos opostos (Heráclito, acho) que dizia que é preciso a existência de um oposto "ruim" para aproveitar um "bom".

É isso. Abraços!

Fátima disse...

Rev.Peterson

Concordo quando refere-te à Heráclito (de Éfeso); outras palavras que poderiam traduzir seu pensamento seriam: 'experimentar a dor possibilita melhor apreciar o prazer'.

Agradeço a cordialidade de sua visita e seu comentário. Abraços.